Este é um microcosmo apartidário embora ideológico, pois «nenhuma escrita é ideologicamente neutra*»

*Roland Bartes

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segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Nação aristocrática num Estado republicano

Nas férias de Verão aproveito, normalmente, para ver um conjunto de filmes que, durante o ano, não tenho oportunidade por razões de agenda.

Na selecção possível deste ano, houve dois filmes que me sensibilizaram para uma realidade ainda pouco parametrizada à luz dos nossos dias: o elitismo classista na sociedade norte-americana.

A adaptação de Baz Luhrmann, de 2013, da obra fulcral de F. Scott Fitzgerald, “The Great Gatsby” e, ainda, o filme de Martin Brest, de 1992, “Scent of a Woman” reflectem, com toda a crueza, a vastíssima dimensão do fenómeno, ainda hoje sólido, do elitismo que emana da classe tradicional norte-americana. De facto, a realidade um pouco conhecida por todos nós, naqueles filmes, ganha contornos sensíveis do quanto é reprovável e, assim, hipócrita, uma sociedade que, por um lado, apregoa um sentimento não-monárquico e, por outro, é a mesma que, ainda hoje, mais bebe naquilo que o modelo monárquico de menos bom tinha e que hodiernamente, nos seus países mais actualizados, menos há. É ver-se na Suécia, por exemplo, como os deputados do parlamento são enquadrados e como são, em contraste, os nossos ou os norte-americanos. 

Aqueles filmes revelam, de forma subliminar, a crueldade que, por vezes, abarca a sociedade norte-americana e como é abafada, para o exterior, pela preponderância (à escala planetária) daquela aludida classe, deixando-se apenas passar para os demais aquela pinky dicotomia do american dream, por um lado, e da suposta igualdade real de direitos, por outro. Os Estados Unidos da América (EUA) são hoje, ainda mais, um País gerido por minorias…não fosse isso verdade e Obama nunca teria sido Presidente. Essa eleição é a melhor prova disso mesmo. 

Maurice Duverger, politólogo e sociólogo francês de esquerda, defende que os EUA são a última monarquia que subsiste, enquanto sistema presidencialista puro, por se equiparar (e ser seu sucedâneo) do sistema monárquico tradicional. Ora, tal raciocínio, além de absolutamente idóneo, por ser proferido por um homem republicano, é profundamente verdadeiro, tão verdadeiro que, quiçá, alguns republicanos defensores do modelo republicano americano nem se tinham apercebido que aquele sistema encapota uma aristocracia profundamente, e saliento o advérbio, elitista. Não foi à toa que epítetos, pouco populares, como “Sua Majestade o Presidente” rondaram a forma como se haveria de designar o Presidente dos EUA, que o diga John Adams, o segundo Presidente e primeiro Vice-presidente daquele País. Em abono da verdade, o Brasil republicano também navegou por esses mares determinativos (de “Sua Majestade o Presidente”). Também não é à toa que quando um Presidente dos EUA entra no Senado americano, é anunciado, como nenhum Rei constitucional é hoje, em brava voz, para todos os presentes bem saberem perante quem estão. Já de si os formalismos (como este do anúncio presidencial na alta Câmara do Senado), mas muitos outros ligados ao prestígio e imagem do Presidente, são elementos que, cultivados, revelam o quanto patrióticos são os americanos e o quanto não têm vergonha de gostar e de institucionalizar a figura do seu Chefe de Estado. Isso é preciso ser dito, em boa verdade.

Neste seguimento, nomes, entre outros, como Rockefeller, Vanderbilt, Fairchild e Rothschild, são algumas das famílias que preponderam dentro e além-fronteiras no controlo dos destinos de muitos. Estas famílias são hoje a verdadeira aristocracia prevalecente. Ou seja, desenganem-se aqueles que pensavam que a ausência de um Rei implicaria o fim da aristocracia ou, ao menos, de uma classe dominante. Errado. O republicanismo conseguiu sim elevar uma nova aristocracia, ligada a valores muito mais obscuros e que agora, em pleno século XXI, são bastante mais perceptíveis as consequências e resultados em comparação com as monarquias constitucionais ainda vigentes. Aqueles que decidiram perder o seu Rei (e não esquecendo que a Suíça e os EUA nunca tiveram um e por isso, em certa medida, têm alguma justificação histórica), perderam, até hoje, isso sim, o seu maior garante contra todos os interesses desviantes ao País. No caso da nossa Monarquia, é certo e sabido que uma da maiores colaboradoras na sua queda foi, precisamente, alguma aristocracia. Era conhecido o distanciamento de El-Rei D. Carlos correlação a grande parte desta classe.  

Muitas das mais tradicionais e antigas famílias norte-americanos têm ascendência judaica. É muito vasta a historiografia que se reporta a esta matéria. Mas quanto a este assunto lembro-me apenas de dizer que o apresentador da cerimónia dos Oscars deste ano, Seth MacFarlane, ousou fazer uma piada em que referia que: “para ser-se alguém em Hollywood era preciso ter amigos judeus”. Facto: para o ano já não apresenta a cerimónia, já é conhecida substituta.

Há muitas monarquias, como a Bélgica, por exemplo, que têm nobreza recente comparativamente ao período de estabelecimento de algumas elites familiares norte-americanas. Também de exemplo servem algumas famílias nobres em Portugal (e noutros países) que receberam título nobiliárquico no fim da Monarquia, inclusive em 1909. Em contraste, não nos esquecemos que existem famílias norte-americanas cuja tradição remonta a mais de três séculos atrás. Este é um dado relevante.

Importa ainda dizer que muitas das tradições mais antigas e prestigiantes ligadas aos EUA, foram importadas e bebidas na Europa, sabendo-se que, por exemplo, George Washington foi muito influenciado pelo seu patrono francês Luís XVI, como se revela pela associação hereditária da “Ordem de Cincinnati”. A realidade dos bailes de debutantes é igualmente uma fortíssima marca que, ainda hoje, se encontra vincada nas tradições sociais norte-americanas.

Em suma, os conceitos de repúblicas e monarquias encontram-se hoje alterados pelos tempos. Sabendo-se que, temporalmente, o modelo republicano é mais arcaico que o monárquico, e que os países mais avançados em Democracia, Desenvolvimento Humano, Liberdade de Imprensa, Percepção de Corrupção e em Qualidade de Vida, são monarquias, hoje assiste-se a algo ainda mais constrangedor que é, à parte das monarquias terem sabido actualizar-se, as republicas não só não o souberam fazer, estão-se cristalizando (é-ver onde se originou a actual crise económica e quem são os países mais directamente envolvidos) e hoje absorvem, num fenómeno estranha e desmesuradamente conservador, os qualitativos das antigas monarquias tradicionais (e não constitucionais). Ou seja, as repúblicas perderam nas qualidades e ganharam nos defeitos das antigas monarquias.
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